Paulo Camelo

Poesia é sentimento. O resto é momento.

Textos

Trovalizando a Redondilha
Prefácio do livro de Carlos Severiano Cavalcanti

Sertanejo da Borborema, sem ligação com as civilizações de cimento e bem mais distante das ditas verticais, acostumado a montar cavalo em pêlo e tendo como arma o bodoque, a sua baladeira, o menino camponês ouviu as primeiras poesias na natureza, no canto do sabiá ou da seriema, no sussurro da água a cair como chuva ou no tibungar de uma pedra lançada ao açude. Recebeu de seus pais um nome plural: Carlos. Para singularizar o plural, seu nome recebeu um adjetivo: Severiano. Esta pluralidade singular o seguiria na vida, a lhe mostrar e abrir caminhos por este mundo de meu Deus, e até na Literatura, que ele foi abraçando com um misto de avidez e mansidão, característica que trouxe do seu viver sertanejo.
Os ritmos familiares do galope e do trote dos cavalos, do som da roda e do rodete na casa-de-farinha, do pio do guriatã impregnaram sua mente e seus ouvidos e, quando deu por si, era um poeta a fazer glosas (relembrando o som dos cantadores), enveredando pela estrutura e pelos caminhos da poesia, ao compor sonetos e outros poemas metrificados. E nesses outros poemas escolheu a redondilha como seu ritmo mor, ainda por trazer no ouvido o ritmo dos repentistas a fazer suas quadras, sextilhas e mourões.
Já maduro, quis mostrar – como mostrou – ao mundo os seus “Caminhos da Vida”, utilizando-se dos decassílabos nos sonetos e das redondilhas em seus poemas-crônica, onde – em cada um – abordava um tema, revestia-o de poesia e lhe soltava o ritmo, muitas vezes numa longa e única estrofe, em outras, partindo-o em unidades menores, como que paragrafasse a crônica.
E assim seguiu no seu segundo livro, “Reflexos de Terra e Sol”, utilizando-se dos mesmos instrumentos e da mesma técnica desenvolvida no seu viver citadino com lembrança sertaneja, já aí enveredando também pela glosa, estilo em que se mostrou com toda competência que desenvolvera nos tantos poemas já compostos, na sua diversidade estilística. E na glosa retomou – como se um dia tivesse deixado – o estilo dos cantadores.
Exímio glosador, Carlos Severiano não pode ouvir um mote – quer em redondilha, quer em decassílabo – que, em pouco tempo, apresenta a glosa, que lê declamando como ele só (outra característica plural/singular sua: excelente declamador) para um ou para cem espectadores, prendendo-lhe(s) a atenção no modo como exprime a poesia que pôs no papel.
Vez ou outra, entre sonetos, poemas-crônica e glosas, fazia suas quadrinhas, as trovas. E, ao mostrar essa sua coleção de trovas, questão faz de distingui-las das simples quadras que tanto ouvira na infância. E o faz com conhecimento e com autoridade de poeta também trovador. Enquanto a quadra resume-se a uma estrofe de quatro versos heptassílabos, a trova se completa, com início e fim, num tema único mostrado em estrofe única.
Há no mundo da Literatura outros estilos de poemas monoestróficos curtos e estanques.
O japonês fez o haicai, em três versos sem rima, com 17 sílabas no total, descritivo, que tinha como tema original a natureza e o corpo, porém hoje enveredando por outros temas do mundo, não admitindo título.
O irlandês fez o Limerick, com três versos longos e dois curtos, com rimas entre os longos (primeiro, segundo e quinto) e entre os curtos (terceiro e quarto), geralmente redondilhas maior e menor, e utilizando-se de temas do cotidiano com uma abordagem jocosa.
Uma variação do haicai (porém com características próprias), o poetrix (difundido pelo poeta baiano Goulart Gomes), apresenta versos maiores, com um total de 30 sílabas, sem métrica porém com ritmo, minimalista, com temas livres, também sem rima, utilizando-se de metáforas e neologismos, muitas vezes com mensagens subliminares, admitindo título. Ainda recente no universo da Literatura, tem regras próprias que, ainda assim, estão abertas a transformações.
A trova, em sua característica, é a mais antiga e a mais atual composição monoestrófica. Resume-se a uma estrofe de quatro versos heptassílabos, sem título, com rimas cruzadas, ímpares e pares. Versa sobre qualquer tema, podendo ser descritiva ou aceitando qualquer figura de linguagem. Imutável em suas características de metro e rima, mantém-se assim e perdurará sem arranhões em sua estrutura.
Neste seu “Trovalizando a Redondilha”, Carlos Severiano Cavalcanti se supera até no título, quando se utiliza de neologismo e pleonasmo. Neologismo no verbo “trovalizar”, em que, por certo, o poeta encontrou mais sonoridade e mais identificação. Pleonasmo quando “trovalizou” a redondilha, métrica única aceita na trova, embora não exclusiva desta.
São mais de trezentas trovas que, por serem únicas, foram agrupadas por temas para melhor ordenação e identidade.
Iniciou o trovador com memórias em leixa-pren, utilizando-se de uma forma diferente da do leixa-pren original, onde o trovador iniciava a trova com o último verso da trova anterior – ou de um dístico, aí usado como mote -, técnica, aliás, utilizada em alguns desafios pelos cantadores nordestinos.
No seu leixa-pren (deixa e prende), Carlos Severiano utilizou-se dos versos de uma trova para fazer outras 3, relacionadas à original, iniciando-se com os versos daquela.
Nas suas mais de trezentas trovas encontramos os mais variados temas: trovas filosóficas, românticas, ecológicas, sociais, comparativas, cotidianas, eróticas, infantis, etc.
O leitor irá sentir a densidade dessas trovas ao folhear (lentamente, sentindo cada trova lida) este livro. Mas, como amostra, transcrevo algumas.

“Galguei a grande montanha,
trilhando as sendas da vida.
A canseira foi tamanha
que maneirei na subida.”

“Na igreja faço uma prece,
vou à missa pra rezar
mas a santa que aparece
é você no meu altar.”

“Sentei-me frente à TV,
você também se sentou;
não percebi mais você,
assim a vida passou.”

“A razão por que escrevo
depende dos meus pendores.
Amo a rosa, o lírio, o trevo,
sou fascinado por flores.”

O resto? Deixo com o leitor, que identificará o poeta Carlos Severiano Cavalcanti em cada uma dessas trovas e, por certo, se identificará com muitas delas, também.

Paulo Camelo
Enviado por Paulo Camelo em 11/04/2005


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